domingo, 1 de agosto de 2010

Quando há um porém


Havia dias que Karenin acordava com o mesmo problema em sua mente. Aquela bombinha que “tictateava” sem parar fazendo-a pensar: “Às vezes os problemas estão à minha frente implorando para serem vistos e eu insisto em ignorá-los”. Ela sabia que a culpa era de seu subconsciente que persistia em dizer que a negligência iria fazê-los desaparecer. Que se fazer de desentendida podia, de alguma forma, esclarecer tudo, resolver tudo, modificar tudo. Não conseguia lutar contra isso.
Sabia que as coisas estavam se acumulando e começavam a ser exatamente o que aparentavam. Cada passo, cada palavra, cada gesto tinham significados que só a mente alheia imaginava, e pelos quais ela se torturava só em pensar. Karenin já não sabia como reagir.
Foi quando a bombinha parou de “tictatear”. E agora? Agora restava ser sincera, restava esclarecer cada palavra, restava sobreviver e aceitar a sua própria crueldade. Restava auto-preservação.
Egoísmo? Não – pensa Karenin. Pior seria enganar. Pior seria aceitar para agradar. Cruel mesmo seria deixar correr e levar adiante, com medo de ter que desiludir alguém e acabar por iludir ainda mais. Viver de ilusões é degradante.
É mais fácil virar uma página em branco do que apagar todo um capítulo. Ela repetia isso com insistência em sua mente. Não se devem escrever capítulos se não for de coração, pois palavras sinceras não brotam de farsas, por mais que se tenha boa vontade ao dizê-las. E muitas vezes se tem.
Quem se importa é sincero. Assim, Karenin estava pronta para aceitar sua crueldade. Aceitar enxergá-la como um egoísmo com fins altruístas, por mais insano que parecesse para si, e por mais surpreendente que fosse para os outros. Não se foge da verdade. E a verdade, por mais cruel que seja é justa.
Karenin tentava dormir em paz, sonhando que um dia o outro também pudesse fazê-lo e pudesse entender. Aceitar as condições. Como certa vez ela aceitara.